Texto
1. RELATÓRIO.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em plenário das Secções Cíveis.
Na sequência da sentença que declarou a Sociedade Construções AA Lda. em
estado de insolvência foram reclamados vários créditos entre os quais o de BB no
montante de € 108.488,54 e o da Caixa Geral de Depósitos no valor inicial de €
3.489.328,30 entretanto reduzido para € 3.333.736,38.
Foi igualmente junto parecer pelo Exmo. Administrador de Insolvência, segundo
o qual todos os créditos reclamados estão devidamente fundamentados.
A sentença que procedeu à graduação dos créditos reconheceu ao crédito
reclamado por BB, o "direito de retenção" no tocante às frações prediais I e X,
apreendidas para a massa, graduando-o antes do da Caixa Geral de Depósitos,
garantido por hipoteca.
Desta decisão recorreu a Caixa Geral de Depósitos pedindo a revogação da
mesma, de molde a que o seu crédito fique graduado acima do do reclamante cujo
direito de retenção até questiona.
O Tribunal da Relação na procedência da apelação, revogou, na parte
impugnada, a decisão da 1ª instância e determinou que, com o produto da venda
das frações I e X do apenso de apreensão de bens, sejam pagos os créditos
graduados segundo a seguinte ordem:
1º As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do
produto da venda de cada bem imóvel;
2º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário da Caixa Geral
de Depósitos, S.A.;
3º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao restante crédito privilegiado do
Instituto de Segurança Social, I.P.;
4º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns (nos quais se
inclui o do credor BB);
5º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, caso
existam, pela ordem prevista no artigo 48º.
Por seu turno inconformado, recorreu de revista BB, tendo pedido que se
revogue o decidido na parte que a ele concerne, proferindo-se acórdão que
consagre a decisão da 1ª instância. Ainda antevendo a hipótese de o julgamento
levar à possibilidade de vencimento de solução jurídica oposta à sua tese, no
domínio da mesma legislação, requereu pois, nos termos do artigo 732º-A do
Código de Processo Civil, o julgamento com a intervenção do Plenário de secções
cíveis por forma a assegurar a uniformidade de jurisprudência.
Apresentou as seguintes,
Conclusões.
1) O ora recorrente veio, no âmbito do processo de insolvência de Construções
AA Lda., reclamar, na qualidade de promitente comprador das frações I e AX um
crédito na importância de l08.488,54 € correspondente ao preço integral das
ditas frações, pago a titulo de sinal ao longo da relação contratual
estabelecida, invocando o direito de retenção a que indubitavelmente tinha
direito.
2) O seu crédito foi qualificado como privilegiado, não tendo sido impugnado
pela credora hipotecária CGD.
3) A final foi lavrada sentença pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de
Gaia, que reconheceu o crédito do recorrente como privilegiado, garantido pelo
privilégio do direito de retenção sobre as frações em questão.
4) Inconformada com tal decisão veio a CGD interpor recurso para o Tribunal
da Relação do Porto, que proferiu Acórdão em sentido contrário à primeira
instância, abordando primeiro o instituto do direito de retenção considerando
que o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real
que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido goza de
direito de retenção de acordo com a alínea f) do nº 1 do art.º 755º do Código
Civil,
5) Acrescentando ainda que, atentando no disposto no art.º 604 nº 2 do CC
verifica-se que no concurso de créditos e na presença de legítimas causas de
preferência, a par da hipoteca, só existem os privilégios e os que conferem
direito de retenção, mas havendo concurso do direito de retenção com a hipoteca,
prefere o credor que tem aquela garantia real, sempre que a um credor for
conferido o direito de retenção sobre uma coisa imóvel, o seu crédito fica
graduado antes do crédito hipotecário - art.º 759º nsº 1 e 2 do CC. (sic).
6) Seguidamente, e no sentido de dar o seu cunho pessoal relativamente à
apreciação das normas legislativas em questão, afirma que não se percebe porque
é que para o legislador o beneficiário de promessa de transmissão a quem haja
sido entregue o bem prometido merece mais proteção que o titular do bem ou do
direito, de modo que quem tiver constituído hipoteca está sujeito a ver a sua
garantia esfumar-se na execução hipotecária, para finalmente rematar e concluir
que enquanto tal mudança legislativa não sucede o direito de retenção continuará
a prevalecer sobre a hipoteca.
7) Relativamente ao contrato promessa com eficácia meramente obrigacional, no
que aqui nos interessa, o Mto. juiz ad quem conclui que o cumprimento do
contrato fica suspenso até que o administrador de insolvência declare optar pela
execução ou recusa do cumprimento invocando o art.º l02º nº 1 do CIRE (JusNet 22/2004), que em si pode
configurar-se como uma causa de justificação legal do não cumprimento, fazendo
uma especifica e restritiva interpretação do mencionado artigo por forma a dele
extrair a conclusão de que, no âmbito da insolvência, não é de aplicar o art.º
442º do Código Civil à recusa de cumprimento do contrato promessa pelo AI,
considerando que a inaplicabilidade deste artigo afasta o direito de retenção
previsto no art.º 755º nº 1 al. f) do CC, ou seja, o crédito do reclamante/aqui
recorrente tem que ser tratado como crédito comum.
8) O Tribunal considera que não pretendendo, expressa ou tacitamente o AI
cumprir o contrato, não se lhe aplicam as consequências do art.º 442º do Código
Civil alegadamente porque no âmbito da especificidade do processo de insolvência
não seria aplicável o conceito civilista de incumprimento imputável a uma das
partes. Como não existe um dever de cumprir, a ilicitude e a culpa, como
pressuposto do funcionamento do art.º 442º do CC, seriam excluídas.
9) Para concluir e retirar ao aqui recorrente o privilégio que a lei confere
ao promitente-comprador de fração imóvel em que haja tradição da coisa.
10) O recorrente discorda frontalmente desta construção jurídica em virtude
dos artigos mencionados do CIRE
(JusNet 22/2004) - artigos 102º e 119º não excluírem simplesmente o
referido privilégio - a determinação da fixação e da valorização dos créditos
não se encontra aí especificamente regulamentada,
11) E parece fazer crer que hipoteticamente uma determinada entidade,
promitente compradora ou vendedora, incumpre sistematicamente o contrato,
torna-o impossível de facto, bastando apresentar-se à insolvência para que os
efeitos do incumprimento contratual sejam lavados e ultrapassados - ora tal é
insustentável.
12) O art.º 119º do CIRE (JusNet
22/2004) diz-nos apenas que qualquer convenção das partes não pode excluir,
ou limitar as normas anteriores (não existe aqui qualquer convenção) e o art.º
102º nº 3 al. e) nada refere ou limita quanto ao crédito e inequivocamente não
exclui o privilégio.
13) O CIRE tem uma norma clara e expressa que trata sobre os efeitos da
insolvência quanto à extinção dos privilégios e garantias - art.º 97º e nele não
está incluída a garantia de que beneficia o recorrente, não exclui nem colide
com o privilégio atribuído ao recorrente. Aliás nenhuma norma do CIRE o faz,
apenas o Mto. juiz ad quem o fez.
14) Todos os requisitos do direito de retenção previstos no art.º 755 nº l
alínea f) do CC são observados e cumpridos pelo aqui recorrente: é beneficiário
de promessa de transmissão sobre uma coisa; obteve a tradição da coisa a que se
refere o contrato prometido, exercendo sobre ela um verdadeiro direito de
propriedade, agindo como se dono dela fosse (pagando os respectivos consumos de
água, luz, condomínio, fruindo sem reservas das suas frações, inclusivamente
chegou a efetuar o pagamento do IMT nas Finanças conforme consta dos autos), e
um crédito formado nos termos do art.º 442º do CC resultante do incumprimento do
contrato promessa imputável ao promitente transmitente
15) A jurisprudência dominante vai no sentido de entender que o regime legal
que atribui ao beneficiário de promessa de transmissão da propriedade de imóvel
que obteve a tradição deste, tem direito de retenção pelo crédito derivado de
incumprimento pelo promitente vendedor, prevalecendo esse direito sobre a
hipoteca tendo como finalidade a tutela dos direitos e expectativas do
consumidor no caso de aquisição de habitação, sendo a circunstância deste regime
legal ter na sua base a tutela e segurança dos direitos dos consumidores,
manifestando a prevalência, para o legislador, do direito dos consumidores à
proteção desses seus específicos interesses, que legitima a restrição á
confiança e segurança associadas ao registo predial, face ao disposto nos arts.º
60 e 65º da CRP (JusNet
7/1976).
16) Não podendo por isso considerar-se inconstitucional o facto de a sentença
ter graduado o crédito do aqui recorrente à frente do credor hipotecário, como
privilegiado por se entender tratar-se de um consumidor, como de facto o é, ao
contrário do pretendido pela recorrida CGD.
17) Ainda relativamente à eventual inconstitucionalidade das normas contidas
nos artigos 442º e 755º, ambos do Código Civil, há que tecer as seguintes
considerações: o próprio Supremo Tribunal já repetidamente se pronunciou pela
não inconstitucionalidade material das normas atrás mencionadas, nomeadamente no
Acórdão de 18/09/2007 que refere que tais normas, especialmente o nº 2 do artigo
442º e nº 1 alínea f) do artigo 755º não violam os princípios da
proporcionalidade, da proteção da confiança e segurança do comércio jurídico
imobiliário e do direito de propriedade privada, ínsitos nos artigos 2°, 18º nº
l e 62º da Lei Fundamental uma vez que a concessão do direito de retenção
atribuído ao promitente-comprador não viola qualquer desses direitos
fundamentais dos credores hipotecários, podendo entender-se mesmo que não
estamos perante direitos fundamentais.
18) Mais ainda, relativamente às normas do CIRE - artigos l02.º nº 2 e 119.º
vem o Acórdão do Supremo de 27/11 /2007 afirmar que a recusa do cumprimento do
contrato promessa pelo AI provoca a extinção do contrato e essa recusa equivale
a um incumprimento do insolvente Já que foi o insolvente que deu causa á
insolvência, conclusão prevista no art.º 20.° do CIRE.
19) Essa mesma recusa gera um crédito sobre a insolvência previsto também no
art.º l04.º nº 5 específico para vendas com reserva de propriedade que
pressupõem a não entrega de um bem, sendo por isso inaplicável ao caso dos
autos, pois neste foi entregue uma coisa e houve pagamento substancial a titulo
de sinal.
20) Ora não sendo aplicável in casu o nº 5 do art.º 104º também não o é a
remissão para o art.º 102º nº 2 porquanto o art.º 119º apenas atribui natureza
imperativa às normas dos arts.º l02.º ao 118.°, sempre do mesmo diploma legal,
quanto a convenções das partes que pretendam excluir ou limitar o alcance de
tais normas, mas já não quanto a outras normas jurídicas, não admitindo a letra
do preceito outra interpretação.
21) Dada a impossibilidade de uma interpretação extensiva de tais normas
acima mencionadas, sempre ter-se-á que aplicar o regime previsto para o
incumprimento contratual dos contratos promessa previsto no art.º 442º do CC,
sendo este incumprimento somente imputável ao insolvente, que se colocou em
posição de não poder cumprir, que claramente é o caso dos autos, resultando tal
previsão do art.º 799º nº 1 do CC.
22) Importante será reter que o regime regra do art.º 759º do CC não é
alterado pelo processo de insolvência e de toda a forma o art.º l02.º do CIRE (JusNet 22/2004) nada diz
acerca das garantias dos créditos, aplicando-se assim o nº 2 do art.º 759 do CC
que estipula claramente que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca,
mesmo que esta tenha sido registada anteriormente, não permitindo a letra da lei
outras interpretações.
23) Ainda que possam surgir posições em sentido contrario, nomeadamente o
Acórdão do Supremo de 14/06/2011, mesmo assim sempre se esclarece que não terão
aplicação neste caso concreto porquanto o mesmo prevê que o direito de retenção
só tutela o promitente adquirente quando este for um consumidor, sendo que a
norma do art.º 755 nº 1 alínea f) do CC é uma norma material e excecional de
proteção do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar
somente a ele.
24) Essa carência de proteção, essa necessidade de tutela do promitente
adquirente/consumidor que a norma visa conceder verifica-se com maior acuidade
ainda nos processos de insolvência face ao incumprimento, quer do próprio
insolvente, quer do administrador de insolvência quando recusa o cumprimento do
contrato prometido.
25) No caso em apreço dúvidas não restam que o aqui
promitente-comprador/recorrente é um cidadão individual, um consumidor com cerca
de 70 anos de idade que investiu as poupanças de uma vida nas frações que habita
com o seu agregado familiar, tem a posse das mesmas, não é um comerciante ou
profissional do ramo imobiliário,
26) Ao longo do tempo fez tudo o que estava ao seu alcance para outorgar
escritura de compra e venda e só não atingiu os seus objetivos por culpa da
insolvente, não tendo reclamado mais do que o sinal em singelo prestado, estando
assim em condições de beneficiar, e merecer, toda a proteção que a lei lhe
concede, devendo o seu crédito ser qualificado como privilegiado e à frente do
credor hipotecário CGD, derivado do direito de retenção que indubitavelmente
beneficia.
Contra-alegou a Caixa Geral de Depósitos pugnando pela confirmação do
decidido terminando por propor que se negue a revista, mantendo-se a decisão
recorrida e firmando-se jurisprudência no sentido de que: "No Domínio dos
negócios em curso à data da declaração de insolvência um promitente-comprador de
fração de edifício com traditio, cujo contrato-promessa (com eficácia meramente
obrigacional não foi cumprido pelo administrador da insolvência não goza do
direito de recebimento do sinal em dobro e da qualificação do seu crédito como
garantido por via do direito de retenção".
Entendendo o Sr. Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça tudo indicar
que a questão que nos ocupa nos presentes autos possa vir a surgir em vários
outros determinou, ao abrigo do artigo 732º nº 1 do Código de Processo Civil,
que se proceda a julgamento ampliado com vista a uniformização de
jurisprudência, tal como havia sido requerido.
A Sra. Procuradora Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido de que se
profira decisão onde se consigne que "no âmbito da graduação de créditos em
insolvência o consumidor promitente-comprador, ainda que com eficácia meramente
obrigacional, com traditio que não obteve o cumprimento do negócio por parte do
administrador de insolvência, goza do direito de retenção nos termos do disposto
nos artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil, devendo o seu crédito ser
graduado como privilegiado em confronto com o crédito hipotecário ainda que
anteriormente constituído".
A Caixa Geral de Depósitos fez juntar aos autos douto Parecer dos Profs. CC e
DD em abono da tese que defende.
Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir.
*
2.
FUNDAMENTOS.
O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes,
2.1. Factos.
2.1.1. BB reclamou da massa falida o crédito de € 108.488,54.
2.1.2. No mapa a que se refere o artigo 129º, nº
2, do CIRE (JusNet 22/2004), junto a fls. 13/14, a Ex.ª
Administradora de Insolvência reconheceu esse crédito, fazendo constar no espaço
destinado à natureza do crédito: "Direito de Retenção".
2.1.3. Esse credor veio mais tarde, cumprindo despacho judicial, indicar que
"as frações autónomas sobre as quais goza de direito de retenção são:
- Fração I destinada a habitação, localizada no 2° andar direito da Rua 25 de
Abril, nº 255, Madalena, Vila Nova de Gaia, com lugar de garagem localizada na
cave do mesmo prédio;
- Fração X, destinada a arrumos. Localizada na cave do prédio anteriormente
descrito.
2.1.4. As frações em causa têm a descrição 00900/ 030894, freguesia da
Madalena, da 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia".
2.1.5. Por seu turno, a Caixa Geral de Depósitos reclamou o crédito de
3.489.328,30 €, entretanto reduzido para 3.333.736,38 € (cfr. fls. 59), também
reconhecido e garantido por hipoteca.
*
2.2. O Direito.
Nos termos do preceituado nos arts.º 660º nº 2 e 684º nº 3 do Código de
Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se
imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição
deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da
matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- O direito de retenção e a hipoteca no âmbito do contrato-promessa.
Enunciado e estado da problemática.
- Direito de retenção e hipoteca: razões de uma atribuição e consequente
prevalência.
- O contrato-promessa de compra e venda de imóveis no âmbito do CIRE.
Incumprimento.
- Análise crítica dos momentos mais relevantes da tese contrária.
- Implicações constitucionais desta problemática.
+
2.2.1. O direito de retenção e a hipoteca no âmbito do contrato-promessa;
Enunciado e Estado da problemática.
Tendo sido decretada a Insolvência da Sociedade Construções AA Lda. e aberta
a fase da reclamação e verificação de créditos, vários foram reclamados, entre
os quais o da Caixa Geral de Depósitos e o de BB. O crédito da primeira
beneficia de hipoteca, onerando os prédios I e X, sendo certo que o credor
supra-apontado foi indicado como gozando igualmente do "direito de retenção"
sobre os mesmos para o pagamento da referida importância de 108.488,54,
emergente do incumprimento de um contrato-promessa de natureza obrigacional
reportado aos prédios acima identificados. Este último credor havia obtido a
tradição dos imóveis em causa.
Está em causa saber se em contrato promessa incumprido pela promitente
vendedora insolvente, o promitente-comprador que seja consumidor e a quem foram
transmitidos os imóveis objeto do contrato meramente obrigacional, goza do
"direito de retenção" sobre os mesmos para pagamento dos seus créditos,
prevalecendo assim sobre o crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos que
sobre eles incidia. Tal análise será levada a cabo à luz do ordenamento civil
vigente e do direito constitucional.
A problemática explanada não obteve resposta uniforme das instâncias.
Efetivamente a 1ª instância reconheceu ao crédito do reclamante BB o "direito de
retenção" e consequente prevalência perante o hipotecário; já a Relação,
partindo do princípio de que estando em causa um crédito emergente de um
contrato-promessa, sustenta que haverá que fazer, em sede geral, a destrinça
consoante o contrato tenha eficácia real ou meramente obrigacional; tratando-se
da primeira hipótese - sendo pois a promessa oponível a terceiros, nos termos do
artigo 413º nº 1 do Código Civil e se já tiver havido tradição da coisa a favor
do promitente-comprador - o administrador da insolvência não poderá negar o
cumprimento do contrato de harmonia com o estatuído no artigo 106º nº 1 do CIRE; (JusNet 22/2004)
caso contrário sujeitar-se-á às consequências previstas no artigo 104º nº 5 do
mesmo Diploma Legal. Na segunda hipótese - que é aliás a do caso sub iudice -
estando em causa um contrato-promessa com eficácia apenas obrigacional em que o
promitente-comprador obteve a tradição da coisa, o Acórdão que analisamos
revogou o decidido em 1ª instância, propendendo para a prevalência da hipoteca
face ao crédito do reclamante, conferindo assim na graduação de créditos
prioridade ao direito da Caixa Geral de Depósitos.
A Jurisprudência produzida sobre esta matéria mostra-se dividida, mau grado
opte, maioritariamente, nestes casos pela concessão do "direito de retenção" e
assim pela prevalência do crédito provido com tal direito sobre a hipoteca desde
que haja tradição do objeto e ainda que o contrato tenha eficácia meramente
obrigacional
(1) . Também a Doutrina não congrega unanimidade face à problemática em
análise, registando-se até de alguns setores propensão para a prevalência da
hipoteca excluindo o "direito de retenção" do promitente-comprador maxime quando
o contrato-promessa não tem efeito real e ainda que tenha havido tradição da
coisa que a que se reporta
(2) .
2.2.2. Direito de retenção e hipoteca; razões de uma atribuição e
prevalência.
O caso em análise.
O "Direito de retenção" regulado nos artigos 754º ss do Código Civil
"consiste na faculdade que o devedor de uma coisa possui de a não entregar
enquanto não for pago do crédito que por sua vez lhe assiste"
(3) . Por seu turno a hipoteca é também uma garantia real que concede aos
credores o direito a serem pagos pelo valor de certos bens em regra imóveis do
devedor, estando os seus créditos devidamente registados
(4) . O DL 379/86 de 11/11
(JusNet 44/1986) alargou o "direito de retenção" a vários casos entre os
quais nos cabe destacar o da alínea f) do nº 1 do artigo 755º quando estatui que
goza de tal direito "o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição
real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido sobre
essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte
nos termos do artigo 442º". Dispõe este normativo legal no seu nº 2 "Se quem
constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja
imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se
o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade
de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere
o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir
sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com
dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a
parte do preço que tenha pago".
No caso em análise, o Administrador da Insolvência reconheceu ao reclamante,
ora recorrente, o direito de retenção sobre as frações que foram objeto do
contrato-promessa com tradição referidos nos autos. A 1ª instância entendeu que
"a constituição de sinal e a tradição da coisa têm subjacente uma forte
confiança na firmeza e concretização do negócio. Daí que se imponha com
particular acuidade defender o mais possível o exato cumprimento do contrato e
que a execução específica não resulte inoperante mercê da alienação da coisa a
terceiro, quando a promessa se encontre destituída de eficácia real. Nessa mesma
linha se concede o direito de retenção sobre ela. (...) Pode admitir-se que há
transmissão da posse do promitente vendedor para o promitente-comprador, não por
via do contrato-promessa mas por força do acordo negocial da traditio e da
efetiva entrega da coisa. Neste caso o promitente-comprador que recebe a coisa e
a usa como se fosse sua praticando sobre ela os atos materiais correspondentes
ao exercício do direito de propriedade, é um verdadeiro possuidor em nome
próprio"; daí a concessão e prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca
que recaía igualmente sobre as frações".
A Relação optou por posição divergente, nos termos já antes referidos.
A súmula das posições baliza a problemática cabendo optar por uma delas; e
inclinando-nos pela concessão e consequente prevalência do "direito de retenção"
face à hipoteca, procuraremos justificar essa tomada de posição, cotejando-a com
a tese segundo a qual a hipoteca prefere ao crédito do reclamante.
O DL nº 236/80 de 18 de Julho
(JusNet 10/1980) veio reforçar a posição jurídica do promitente-comprador
nomeadamente no âmbito das transações de imóveis para habitação, conferindo-lhe
em caso de incumprimento da outra parte e em alternativa ao direito ao sinal em
dobro, também o valor da coisa desde que a mesma lhe tivesse sido transmitida
encontrando-se pois em seu poder. Tal desiderato surge corporizado na alteração
então introduzida ao nº 2 do artigo 442º do Código Civil. Por seu turno, o DL 379/86 de 11-11 (JusNet
44/1986), além de haver modificado o normativo em análise veio ainda,
coerentemente com tal alteração, elencar no âmbito dos titulares do "direito de
retenção" a que se reporta o artigo 755º do Código Civil, o do beneficiário da
promessa de transmissão ou constituição do direito sobre a coisa a que se
reporta o contrato prometido, pelo crédito resultante do não cumprimento
imputável à outra parte de harmonia com o artigo 442º (então modificado)
(5) . O Diploma de 1986 explica as razões que estiveram na base da alteração
introduzida. A opção legislativa no conflito entre credores hipotecários e os
particulares consumidores, concedendo-lhes o "direito de retenção" teve e
continua a ter uma razão fundamental: a proteção destes últimos no mercado da
habitação; na verdade, constituem a parte mais débil que por via de regra
investem no imóvel as suas poupanças e contraem uma dívida por largos anos,
estando muito menos protegidos do que o credor hipotecário (normalmente a banca)
que dispõe regra geral de aconselhamento económico, jurídico e logístico que lhe
permite prever com maior segurança os riscos que corre caso por caso e ponderar
uma prudente seletividade na concessão de crédito
(6) . Justificou-se destarte que na linha de orientação que vinha já do DL
236/80, a que acima fizemos referência, o mais recente Diploma que alterou o
regime do contrato-promessa, tenha vindo balizar o âmbito e o funcionamento do
"direito de retenção" nestes casos.
A Ré Caixa Geral de Depósitos - cuja tese obteve no geral o apoio da 2ª
instância - discordando da solução que concede e faz prevalecer o direito do
reclamante acima do crédito hipotecário, chama desde logo à colação o que
entende genericamente ser "a injustiça de tal solução legal". Aduz em abono da
sua tese, que à publicidade da hipoteca, materializada pelo respetivo registo,
se contrapõe o cariz oculto do "direito de retenção", sendo de impossível
previsão precisamente por não gozar da publicidade que necessariamente acompanha
a primeira. Um processo negocial oneroso, maduramente ponderado, pode soçobrar
perante um expediente oculto, havendo ainda a possibilidade de através dele se
propiciarem situações de fraude ao titular da hipoteca, dificultando ou
impedindo o respetivo credor de ver pagos os seus créditos, já que, desde logo,
este não pode impedir ulteriores vendas acordadas em termos que lhe podem ser
intencionalmente lesivos
(7) . Esta objeção, apesar de alertar para hipóteses que podem verificar-se,
não tem, salvo o devido respeito, o relevo que lhe é dado. Começaremos por
referir que o "direito de retenção" é apenas uma dentre outras garantias (v.g.
os privilégios creditórios) de igual ou maior gravosidade com que se poderá
defrontar o credor hipotecário no âmbito de um processo de insolvência
(8) ; e a sua inserção valorativa no seio do ordenamento jurídico é tão só o
resultado de uma ponderação de interesses que a conjuntura social motivou no
legislador graduar de uma determinada forma, acautelados os limites
constitucionais. A tudo acresce que o "direito de retenção" é ainda, acima dos
não registáveis, o mais transparente, já que tem, na generalidade dos casos, uma
faceta visível em resultado da sua própria natureza; a do uso do objeto sobre
que recai (na maioria imóveis para habitação) o que implica naturalmente, dada
aquela compleição, a publicidade, que quase sempre funciona como aviso aos
restantes credores em ordem a melhor poderem acautelar-se antes de optarem pela
concessão de um crédito que comporta sempre certa álea de risco
(9) . Aliás a proteção ao promitente-comprador que o legislador tem seguido
nos termos apontados, também não pretende ver postergados os legítimos
interesses do credor hipotecário, que tendo investido, por via de regra,
capitais avultados financiando a construção do imóvel quer ver assegurado o
respetivo retorno, acrescido dos juros devidos. Assim se compreende que a alínea
f) do artigo 755º nº 1 seja entendida restritamente de molde a que se encontre a
coberto da prevalência conferida pelo "direito de retenção" o promissário da
transmissão de imóvel que obtendo a tradição da coisa seja simultaneamente um
consumidor
(10) . +
2.2.3. O contrato-promessa de compra e de imóvel no âmbito do CIRE.
Incumprimento.
A declaração de insolvência provoca, como é sabido, efeitos nas relações
jurídicas subsistentes a essa data. Quanto aos negócios não cumpridos, estatui o
artigo 102º do CIRE: (JusNet
22/2004) 1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer
contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda
total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica
suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou
recusar o cumprimento.
2 - A outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao administrador da
insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa
o cumprimento.
3 - Recusado o cumprimento pelo administrador da insolvência, e sem prejuízo
do direito à separação da coisa, se for o caso:
a) Nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou;
b) A massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação
correspondente à prestação já efetuada pelo devedor, na medida em que não tenha
sido ainda realizada pela outra parte;
c) A outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o
valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da
contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada;
d) O direito à indemnização dos prejuízos causados à outra parte pelo
incumprimento:
i) Apenas existe até ao valor da obrigação eventualmente imposta nos termos
da alínea b);
ii) É abatido do quantitativo a que a outra parte tenha direito, por
aplicação da alínea c);
iii) Constitui crédito sobre a insolvência;
e) Qualquer das partes pode declarar a compensação das obrigações referidas
nas alíneas c) e d) com a aludida na alínea b), até à concorrência dos
respetivos montantes.
4 - A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações
contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável".
Para a hipótese do contrato promessa, rege o artigo 106º o qual estatui que
"1 - No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da
insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia
real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.
2 - À recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo
administrador da insolvência é aplicável o disposto no nº 5 do artigo 104º, com
as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador
quer ao promitente-vendedor".
Na vigência do CPEREF - artigo 164º-A, o contrato-promessa que se encontrasse
por cumprir à data da falência extinguir-se-ia, com perda de sinal entregue ou
restituição do sinal recebido, conforme os casos, mau grado isso não tivesse
lugar de modo necessário, já que o liquidatário judicial, ouvida a comissão de
credores poderia "optar pela conclusão do contrato-prometido ou requerer a
execução específica da promessa que lhe seja facultada". Previa-se igualmente no
nº 2 que "tratando-se de promessa com eficácia real, o promitente adquirente
poderá exigir à massa falida a celebração do contrato prometido ou recorrer à
execução específica que lhe seja facultada; sendo o falido
promitente-adquirente, ao liquidatário cabe decidir sobre a conveniência da
execução do contrato satisfazendo a execução convencionada"
(11) . O normativo que no CIRE trata desta matéria é o artigo 106º
esclarecendo no seu nº 2 que "no caso de insolvência do promitente-vendedor, o
administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa
com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do
promitente-comprador"
(12) . Em tal hipótese e caso o administrador não cumpra o contrato
celebrando o contrato definitivo em conformidade, poderá o promitente-comprador
lançar mão da execução específica de harmonia com o estatuído nos artigos 827º,
830º e 442º nº 3 todos do Código Civil.
No entanto o artigo 106º supracitado não menciona a situação relativamente
vulgar em que o contrato-promessa, mau grado de natureza obrigacional, foi
acompanhado de tradição da coisa para o promitente-comprador; é também o caso
que aqui analisamos. Dúvidas não há, que não se verificando a tradição da coisa
e tendo o contrato efeito meramente obrigacional, ao administrador cabe ponderar
e decidir pelo cumprimento ou não cumprimento do mesmo; isto só não sucede caso
alguma das partes tenha cumprido na íntegra a sua obrigação e havendo
incumprimento definitivo
(13) . Contudo, havendo tradição da coisa, a norma não esclarece qual a
consequência daí resultante; todavia tal omissão é ultrapassada fazendo apelo ao
"lugar paralelo" resultante da conjugação dos artigos 106º nº 2 e 104º nsº 1 do
CIRE (respeitante à venda com reserva de propriedade) aplicável no caso em
análise, já que as razões determinantes do que ali vem exposto quanto ao que lá
se regula (compra e venda a prestações) são idênticas às que aqui estão em
causa
(14) . Subjacente a esta tomada de posição está a forte expectativa que a
traditio criou no "promitente-comprador" quanto à solidez do vínculo. Cimentada
esta confiança, e "corporizada" destarte a posse, existe, na prática, do lado do
adquirente um verdadeiro animus de agir como possuidor, não já nomine alieno mas
antes em nome próprio
(15) ; a partir do momento em que o insolvente entregou as chaves dos
prédios ao promitente-comprador, materializou a intenção de transferir para este
os poderes sobre a coisa, faltando apenas legalizar uma situação de facto
consolidada. Parificada tal situação
com as hipóteses do efeito real dos contratos em termos de impedir a resolução
respectiva, poderá assentar-se em que o incumprimento dá assim origem ao
despoletar do "direito de retenção" a que se reporta o artigo 755º nº 1 alínea
f) do Código Civil viabilizado pela interpretação a que acima fizemos referência
no tocante ao artigo 106º
(16) , pelo que assim sendo subsiste a preferência a que aludimos.
O Administrador não cumpriu o contrato, como é sabido e tal resulta até do
facto de ter reconhecido o crédito no seu parecer junto.
Acrescentaremos, mau grado a questão não seja diretamente colocada em crise,
que face ao incumprimento do Administrador, o crédito do reclamante sobre a
insolvência tem a sua proteção assegurada no artigo
102º nº 3 alínea c), do CIRE (JusNet 22/2004) atento o
reconhecimento supra-aludido sendo certo que o aquele pede apenas uma quantia em
singelo.
2.2.4. Análise crítica dos momentos mais relevantes da tese contrária.
O Tribunal da Relação opta, como vimos, por uma visão distinta desta
problemática, com reflexos inerentes na solução a conferir-lhe. Na sua tese,
declarada a insolvência, o artigo 102º do CIRE (JusNet 22/2004) confere ao Administrador o direito a não
cumprir a obrigação já que "sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em
qualquer contrato bilateral em que à data da declaração de insolvência não haja
total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte o cumprimento fica
suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou
recusar o cumprimento". Destarte, sendo a própria lei a admitir a possibilidade
de não cumprimento por parte do administrador, tal significa que não há dever de
cumprimento, o que necessariamente afasta a possibilidade de ilicitude e culpa,
que supõem uma obrigação prévia de agir de outra forma; a reforçar este
entendimento, argumenta ainda a CGD com o estatuído no artigo 119º do CIRE (JusNet 22/2004) ao
salientar nos seus nsº 1 e 2 que "1- É nula qualquer convenção das partes que
exclua ou limite a aplicação das normas anteriores do presente capítulo.
2 - É em particular nula a cláusula que atribua à situação de insolvência de
uma das partes o valor de uma condição resolutiva do negócio ou confira nesse
caso à parte contrária um direito de indemnização, de resolução ou de denúncia
em termos diversos dos previstos neste capítulo".
Corolário lógico desta argumentação seria assim o afastamento do âmbito do
CIRE da aplicabilidade do artigo 442º do Código Civil referente ao incumprimento
do contrato promessa; a cominação constante do nº 2 desse normativo está
dependente da constatação de culpa da parte não cumpridora. Só que esta, com a
declaração de insolvência da Sociedade Construções AA Lda. transmudou-se, não
sendo já a entidade que era, estando agora representada pelo administrador. Tal
modificação traria consigo a impossibilidade de responsabilizar aquela pelo
incumprimento do contrato-promessa, uma vez que já não subsiste juridicamente.
Em consequência não haveria direito do promitente-comprador ao dobro do sinal
prestado, desaparecendo de igual forma o seu direito de retenção. O respetivo
crédito iria assim figurar na graduação com uma natureza meramente comum.
A Doutrina expendida no Douto Parecer junto vem em reforço desta posição.
Com o devido respeito, optamos pela solução contrária. Começaremos por
referir que a norma do artigo 102º do CIRE
(JusNet 22/2004) acima transcrito se aplica, como se vê do próprio texto,
"sem prejuízo do estatuído nos artigos seguintes", conferindo de certa forma
autonomia ao estatuído no artigo 106º; e aqui a lei é expressa ao referir que
"no caso de insolvência do promitente vendedor, o administrador da insolvência
não pode recusar o cumprimento se já tiver havido tradição da coisa a favor do
promitente-comprador; a isto acresce que nada apontando, a nosso ver, para o
facto de ter havido intuito de modificar com a entrada em vigor do CIRE a
orientação legislativa ao nível das consequências de incumprimento da promessa
do contrato e suprindo pelo recurso ao regime da compra e venda com reserva de
propriedade, a omissão da regulamentação do contrato promessa com efeito
obrigacional e tradição do objeto, ficará o nº 2 do artigo 106º aplicável apenas
ao contrato promessa com efeito meramente obrigacional e em que não tenha havido
aquela tradição ao promitente-comprador
(17) . Só aqui, e a menos que uma das partes tenha cumprido integralmente a
sua obrigação, poderá o administrador optar por cumprir ou recusar a execução do
contrato.
+
Não se aduza ainda, contra o entendimento exposto, que não há imputação de
culpa a fazer em caso de insolvência porque com a declaração desta última, a
relação jurídica existente, então reconfigurada, não a poderá comportar, já que
ao insolvente se substitui e passa a figurar em juízo apenas a massa falida e o
administrador; é para nós claro o cariz redutor deste entendimento; a
insolvência não surge do nada, radicando antes e à partida no comportamento de
uma entidade que se mostrou não ter cumprido as suas obrigações. Nestes casos já
foi decidido e bem, neste Supremo Tribunal de Justiça
(18) , que se verifica uma imputabilidade reflexa considerando o
comportamento da insolvente na origem do processo falimentar; acresce que, seria
sempre a esta última que cumpriria afastar a culpa, que se presume, em matéria
de responsabilidade civil contratual - artigo 799º nº 1 do Código Civil. Por
último diremos que o artigo 97º do CIRE
(JusNet 22/2004) que se reporta à extinção de privilégios creditórios e
garantias reais, com a declaração de insolvência, não enumera "o direito de
retenção" no elenco dos extintos. Adiante-se ainda que, como bem salienta o
recorrente, bastaria, caso contrário, que uma empresa promitente vendedora e
incumpridora do contrato, se apresentasse à insolvência para evitar as
consequências do incumprimento.
Em suma concluímos que não sendo afetado o contrato-promessa, mantêm-se os
efeitos do incumprimento a que se reporta o artigo 442º nº 2 do Código Civil.
Destarte o crédito pedido do reclamante, valor em singelo no montante de €
108.488,54, mantém a prevalência que lhe é conferida pelo "direito de retenção"
tendo sido e bem, graduado acima da hipoteca da CGD.
+
2.2.5. Implicações constitucionais desta problemática.
Entende a CGD que a interpretação segundo a qual o âmbito do artigo 755º nº 1
alínea f) do Código Civil se restringirá aos casos em que o promitente-comprador
seja um consumidor viola a Constituição da República designadamente os
princípios da segurança jurídica ínsito no princípio do Estado de Direito
democrático constante do artigo 2º da Constituição da
República (JusNet 7/1976), igualdade, proporcionalidade e
confiança.
No tocante ao princípio da igualdade estatui o artigo 13º nº 1 da Constituição da República
(JusNet 7/1976) que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são
iguais perante a lei". Mas seria ocioso tecer grandes considerações sobre aquilo
que é de há muito um dado adquirido sobre aquele normativo: não se pode tratar
de uma forma igual aquilo que à partida é desigual. Ora a dilucidação desta
problemática depende essencialmente de uma ponderação dos valores e interesses
legítimos vigentes na sociedade num determinado momento histórico. E
considerações semelhantes valem também no tocante ao princípio da
proporcionalidade, também informador do sistema jurídico; a sua aplicação ao
caso concreto terá que fazer-se tendo em vista os valores que se entende
constituírem os prevalentes na comunidade, harmonizando-os axiologicamente entre
si
(19) . Como em muitos outros setores do ordenamento jurídico, também aqui,
ao nível do contrato promessa, o legislador no seu poder-dever de corrigir
desequilíbrios e tomando em linha de conta os interesses e riscos em presença,
entendeu propender para a proteção da parte mais débil, o promitente-comprador,
face ao credor hipotecário, desde que aquele tivesse entregue ao outro
outorgante o sinal e obtido a tradição do objeto do contrato. Assim e na linha
do entendimento do que tem vindo a ser repetidamente decidido por este Supremo
Tribunal e ainda pelo Tribunal Constitucional, não vemos que haja qualquer
inconstitucionalidade naquela opção legislativa
(20) . A acrescer ainda a estas razões, não pode igualmente esquecer-se que
no momento em que a garantia hipotecária se constituiu, já estavam em vigor os
artigos 755º nº 1 alínea f) e 759º nº 2 do Código Civil, o que reforça a
necessidade de o credor hipotecário ter de acautelar-se contra os efeitos para
eles possivelmente nefastos daquela preferência
(21) . Não se argumente pois de igual modo que os princípios da
previsibilidade e segurança seriam afetados pela concessão e prevalência do
direito de retenção; trata-se de mais uma escolha do legislador, à semelhança de
outras - v.g. créditos de trabalhadores - que evidencia claramente uma
ponderação de interesses em atenção à parte mais fraca no âmbito da relação
contratual, o que implica necessariamente compressão de alguns direitos com
vista à busca de uma solução mais equitativa; é o que sucede quanto à
prevalência excecional do crédito emergente de contrato promessa ainda, que de
natureza obrigacional, sobre a hipoteca, desde que se tenha verificado a
tradição do respetivo objeto acompanhada pelo pagamento total ou parcial do
preço
(22) . Poder-se-á dizer, parafraseando um acórdão deste Supremo Tribunal
(23) , estarem assim presentes, na interpretação exposta das normas
aplicadas, os critérios práticos da justa medida, razoabilidade e adequação
material ínsitos no princípio da proporcionalidade que temos vindo a
comentar.
Equacionada desta forma a problemática, especialmente sob o ponto de vista de
ambos os reclamantes apontados no âmbito do processo de insolvência, diremos que
a solução obtida encontra no contexto socioeconómico que vivemos, premente
atualidade; é que se bem que as normas legislativas pertinentes, maxime as
constantes do Código Civil, tenham tido na sua génese, de um modo especial, a
inflação que se viveu entre o final da década de 70, aproximadamente até meados
dos anos 80 do século passado, não é menos certo que o eclodir da crise
económica que atravessamos, inesperada para a generalidade dos consumidores,
trouxe consigo um elevadíssimo número de insolvências em que naturalmente se
poderão surpreender questões desta natureza. Daí que o entendimento adotado se
imponha com força redobrada
(24) .
Impor-se-á destarte revogar na parte impugnada o Acórdão da Relação,
decidindo que em seu lugar fique a vigorar o estatuído em 1ª instância.
*
3.
DECISÃO.
Nesta conformidade:
I - Acorda-se em conceder a revista revogando assim na parte impugnada o
Acórdão da Relação e decidindo que em seu lugar fique, na parte impugnada, a
vigorar o decidido em primeira instância, nos seguintes termos:
Com o produto da venda das frações I e X do apenso de apreensão de bens,
sejam pagos os créditos graduados segundo a seguinte ordem:
1º As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do
produto da venda de cada bem imóvel;
2º Do remanescente dar-se-á pagamento ao crédito do credor BB.
3º Do remanescente dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário da Caixa Geral
de Depósitos SA.
4º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao restante crédito privilegiado do
Instituto de Segurança Social, I.P.;
5º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns artigo 47º nº 4
alínea c).
6º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, caso
existam, pela ordem prevista no artigo 48º.
Custas pela recorrida. *
De harmonia com o preceituado no artigo 732º-A do Código de Processo Civil
uniformiza-se Jurisprudência nos seguintes termos:
= No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor
promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional
com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio
por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos
termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil. =.
Lisboa, 20 de Março de 2014. - Távora Victor (Relator) -Fernandes do Vale
(subscrevo a declaração de voto do Exmo. Cons. Fonseca Ramos) - Granja da
Fonseca - Fernando Bento - Tavares de Paiva - Silva Gonçalves - Ana Paula
Boularot - Maria Clara Sottomayor - Azevedo Ramos - Moreira Alves (com a
declaração de voto que anexo) - Alves Velho (com declaração de voto, que junto)
- Sousa Leite - Fonseca Ramos (anexo declaração de voto) - Ernesto Calejo -
Helder Roque - Salazar Casanova (com declaração de voto) - Álvaro Rodrigues -
Orlando Afonso - Sérgio Poças (Vencido. Acompanho nos seus termos o voto de
vencido apresentado pelo colega A. Geraldes) - Gabriel Catarino (Vencido) - João
Trindade (Vencido de acordo com a declaração do Conselheiro João Bernardo) -
Abrantes Geraldes (com declaração de voto anexa) - Sebastião Póvoas (Vencido nos
termos da declaração de voto junta) - Nuno Cameira (Vencido, conforme declaração
de voto que junto) - Pires da Rosa (Vencido, conforme declaração que junto) -
Bettencourt de Faria (Vencido conforme o voto de vencido do Cons. Lopes do Rego)
- Salreta Pereira (Vencido conforme voto junto) - Pereira da Silva (Vencido,
consoante declaração de voto que junto) - João Bernardo (Vencido conforme voto
que junto) - João Camilo (Vencido) - Paulo Sá (Vencido com declaração que anexo)
- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, nos termos da declaração junta) -
Oliveira Vasconcelos (Vencido, nos termos da declaração do Exmo. Conselheiro
Lopes do Rego)- Serra Baptista (Vencido, nos termos da declaração de voto do
Exmo. Conselheiro Lopes do Rego) - Lopes do Rego (Vencido, nos termos da
declaração de voto junta) - Henriques Gaspar (Presidente)
-------------------------
Declaração de Voto
*
Voto o acórdão, mas não perfilho o paralelismo acolhido entre o Artº 106º nº
2 e 104º nº 1 do C.I.R.E., daí que, salvo melhor opinião, não possa concluir-se
pela impossibilidade de o administrador recusar o cumprimento, quando o contrato
- promessa é meramente obrigacional, ainda que tenha ocorrido tradição da
coisa.
Assim, recusado o cumprimento, aplica-se o regime geral do Artº 102º nº 3,
sem prejuízo do direito de retenção, havendo tradição da coisa.
Restringiria, por isso, a garantia ao valor do crédito que resultasse da
aplicação do critério definido no citado nº 3 do Artº
102º do C.I.R.E. (JusNet 22/2004)
*
Lisboa, 13/3/2014
Moreira Alves
---------------
Declaração de voto.
Voto o acórdão.
Não acompanho, porém, os seus fundamentos quanto à convocação do "lugar
paralelo" a que se refere o art. 104º-1 do CIRE (JusNet 22/2004) (parte final do ponto 2.2.3) e à
interpretação proposta para o n.º 2 do art. 106º do mesmo diploma (2º parágrafo
do ponto 2.2.4).
Incluiria também no segmento de uniformização a menção de restrição da
garantia do direito de retenção ao valor do crédito resultante da aplicação do
disposto no art. 102º-3 do CIRE
(JusNet 22/2004).
( Alves Velho)
----------------
Declaração de voto.
Não acompanho o trecho da fundamentação quando se afirma que, em relação ao
promitente vendedor declarado insolvente, "se verifica uma imputabilidade
reflexa" causal da insolvência, considerando o comportamento (ilícito) do
promitente vendedor na origem reflexa do processo falimentar, porque, desde
logo, a insolvência pode ter sido fortuita - arts.
185º e 189º, nº1, do CIRE (JusNet 22/2004).
Ligar o incumprimento do contrato promessa à opção (lícita) do administrador
da insolvência em cumprir ou não cumprir o contrato em curso, contraria a opção
potestativa daquele - art. 102º, nº1 do CIRE (JusNet 22/2004) - ope legis desligada da actuação do
insolvente, não sendo tal opção compaginável com o disposto nos arts. 798º e
799º do Código Civil.
A recusa do administrador da insolvência em executar o contrato promessa de
compra e venda em curso de execução, em que era promitente-vendedor o ora
insolvente, não exprime incumprimento de tal contrato mas "reconfiguração da
relação", tendo em vista a especificidade do processo insolvencial, não sendo
aqui aplicável o normativo do art. 442º, nº2, do Código Civil - "incumprimento
imputável a uma das partes" - que pressupõe um juízo de censura em que se traduz
o conceito de culpa, neste caso ficcionando que a parte que incumpre seria o
administrador da insolvência na veste do promitente ora insolvente.
Fonseca Ramos
------------
O administrador da insolvência pode optar por cumprir ou não cumprir o
contrato-promessa em que houve tradição sem eficácia real (artigos
102.º(JusNet 22/2004)/1 e 106.º/1 do CIRE) salvo se a opção
for considerada abusiva (artigo 102.º/4 do CIRE (JusNet 22/2004)). A opção pelo não cumprimento, em si lícita,
radica, porém numa situação de insolvência, não eximindo a responsabilidade em
que incorre o promitente que, deixando-se cair em insolvência, perde os poderes
de administração e disposição dos seus bens que passam a competir ao
administrador da insolvência (artigo 81.º/1 do
CIRE (JusNet 22/2004)).
O não cumprimento é, por conseguinte, imputável ao promitente insolvente,
gozando de direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou
constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o
contrato prometido (artigo 755.º/1, alínea f) do Código Civil).
A limitação do direito de retenção ao beneficiário da promessa que seja
consumidor não é determinada pelo regime da insolvência, decorre da
interpretação restritiva deste último preceito, afigurando-se-nos que vale para
todos os casos em que o mesmo seja aplicável.
Lisboa, 20-3-2014
Salazar Casanova
------------
A minha discordância relativamente ao decidido circunscreve-se apenas à
explicitação de que o direito de retenção conferido pelo art. 755º, nº 1, al.
f), do CC, apenas pode ser invocado no processo de insolvência nos casos em que
o promitente-comprador, titular do crédito reclamado, tem a qualidade de
consumidor.
Como decorre dos preâmbulos do Dec. Lei nº 236/80, de 18 de Julho, e do Dec.
Lei nº 379/86, de 11 de Novembro, o objectivo fundamental das modificações que
foram introduzidas no regime do contrato-promessa de compra e venda,
designadamente no que se reporta à atribuição do direito de retenção em
situações de tradittio do bem, foi o de tutelar os interesses dos
promitentes-compradores em geral, sem que o legislador tenha assumido
formalmente a aludida limitação subjectiva. Por isso, não encontro motivos para
a sua inscrição num acórdão de uniformização de jurisprudência proferido num
processo em que, aliás, nem sequer foi discutida a qualidade em que o reclamante
interveio no contrato-promessa de compra e venda.
Por conseguinte, além de sustentar a exclusão dessa limitação da
fundamentação do acórdão, considero que a súmula jurisprudencial deveria ser a
seguinte:
"No âmbito da graduação de créditos em processo de insolvência, o crédito do
promitente-comprador emergente de contrato-promessa, ainda que com eficácia
meramente obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, goza do direito
de retenção, nos termos previstos no art. 755º, nº 1, al. f), do CC".
Abrantes Geraldes
------------------
Declaração de Voto
Não subscrevo o Acórdão ora votado pelas razões que sumariamente (e o tempo
disponível não me permite ser mais sucinto) passo a expor:
1. Em 19 de Setembro de 2006 relatei o Acórdão 06 A2335 tendo, além do mais,
concluído que: "a falência gera uma situação de impossibilidade objectiva e
superveniente de cumprimento, por parte do promitente vendedor falido, a quem
essa impossibilidade é imputável por se ter colocado em situação que não lhe
permite satisfazer pontualmente as suas obrigações."
E que "tendo o falido recebido o sinal, a massa fica devedora do seu
dobro".
Finalmente, afirmou-se que "a alínea f) do artigo 755.º do Código Civil
garante o direito de retenção - direito de garantia «erga omnes» e atendível no
concurso de credores - ao promitente-comprador que obteve a tradição da coisa,
pelo crédito do dobro do sinal prestado".
Assim continuo a entender na vigência do CPEREF, e respectivo artigo 164-A,
reportado à extinção dos contratos-promessa, com eficácia meramente
obrigacional, não cumpridos mas que, ao tempo da falência, ainda não padecessem
de uma situação de incumprimento definitivo.
Mau grado a declaração de falência, mantinha-se a aplicação do artigo 442.º
do Código Civil, com o regime do sinal e da execução específica sendo que daí
resultava o direito de retenção por força da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º
do Código Civil.
Este direito real de garantia tinha uma natureza atípica por se afastar da
conceptualização do artigo 754.º daquele diploma já que o crédito garantido não
resultava de despesas feitas com a coisa retida ou de "danos por ela
causadas".
2. Acontece, porém, que actualmente o CIRE, aqui aplicável, alterou toda a
dogmática anterior.
Vejamos, então.
Como se disse, o n.º 1 do citado artigo 164-A do CPEREF dispunha que o
contrato promessa com eficácia meramente obrigacional, "que se encontre por
cumprir à data da declaração de falência, extingue-se com esta, com perda do
sinal entregue ou restituição em dobro do sinal recebido, como dívida da massa
falida consonante os casos", admitindo-se "a possibilidade de o liquidatário
judicial, ouvida a comissão de credores, optar pela conclusão do contrato
prometido, ou requerer a execução específica da promessa se o contrato o
permitir."
O vigente CIRE dispõe, no artigo 102.º, sob a epígrafe "Princípio geral
quanto a negócios ainda não cumpridos":
"1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato
bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total
cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica
suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou
recusar o cumprimento.
2 - A outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao administrador da
insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa
o cumprimento.
3 - Recusado o cumprimento pelo administrador da insolvência, e sem prejuízo
do direito à separação da coisa, se for o caso:
a) Nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou;
b) A massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação
correspondente à prestação já efectuada pelo devedor, na medida em que não tenha
sido ainda realizada pela outra parte;
c) A outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o
valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da
contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada;
d) O direito à indemnização dos prejuízos causados à outra parte pelo
incumprimento:
I) Apenas existe até ao valor da obrigação eventualmente imposta nos termos
da alínea b);
II) É abatido do quantitativo a que a outra parte tenha direito, por
aplicação da alínea c);
III) Constitui crédito sobre a insolvência;
e) Qualquer das partes pode declarar a compensação das obrigações referidas
nas alíneas c) e d) com a aludida na alínea b), até à concorrência dos
respectivos montantes.
4 - A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações
contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável."
E o artigo 106.º, subordinado ao título "Promessa de contrato":
"1 - No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da
insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia
real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.
2 - À recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo
administrador da insolvência é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 104.º,
com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao
promitente-comprador quer ao promitente-vendedor."
Vê-se, pois, ter ocorrido uma profunda alteração quanto aos contratos ainda
não cumpridos.
E tal é, expressamente referido, e justificado, no relatório preambular do
actual diploma, nos seguintes termos:
"O capítulo dos efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios
jurídicos em curso é um daqueles em que a presente reforma mais se distancia do
regime homólogo do CPEREF. Ele é objecto de uma extensa remodelação, tanto no
plano da forma como no da substância, que resulta de uma mais atenta ponderação
dos interesses em causa e da consideração, quanto a aspectos pontuais, da
experiência de legislações estrangeiras. Poucas são as soluções que se
mantiveram inalteradas neste domínio. De realçar é desde logo a introdução de um
«princípio geral» quanto aos contratos bilaterais, que logo aponta para a noção
de «negócios em curso» no âmbito do processo de insolvência: deverá tratar-se de
contrato em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total
cumprimento tanto pelo insolvente como pela outra parte. O essencial do regime
geral disposto para tais negócios é o de que o respectivo cumprimento fica
suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou
recusar o cumprimento. Vários outros tipos contratuais são objecto de tratamento
específico, surgindo diversas e relevantes inovações nos domínios da compra e
venda, locação, mandato, entre outros. O capítulo termina com uma importante
norma pela qual se determina a nulidade de convenções que visem excluir ou
limitar a aplicação dos preceitos nele contidos. Ressalvam-se, porém, os casos
em que a situação de insolvência, uma vez ocorrida, possa configurar justa causa
de resolução ou de denúncia do contrato em atenção à natureza e conteúdo das
prestações contratuais, o que poderá suceder, a título de exemplo, no caso de
ter natureza infungível a prestação a que o insolvente se obrigara."
3. Daí o ser notório que o legislador quis ver excluído o regime do artigo
442.º do Código Civil nos contratos-promessa de compra e venda, ao contrário do
que acontecia no diploma anterior.
E, como consequência, deixa de ter aplicação a alínea f) do n.º 1 do artigo
755.º daquele Código.
Neste segmento acompanhamos o Acórdão do STJ de 14 de Junho de 2011 -
6132/08.OTBBRG-J.G1.S1 - de relato do M.º Conselheiro Fonseca Ramos onde se
afirma: "Assim, não sendo aplicável na insolvência o artigo 442.º, n.º 2, do
Código Civil, desde logo não dispõe o promitente-comprador do direito de
retenção nos termos do artigo 755.º, n.º 1, f) do Código Civil."
Porém, o Dr. Gravato de Morais (in "Promessa Obrigacional de Compra e Venda
com Tradição da Coisa e Insolvência do Promitente Vendedor" apud, "Cadernos de
Direito Privado", 29, 9 e ss) aceita, nestes casos, a admissibilidade do direito
de retenção.
Mas, e como acenei, o citado n.º 2 do artigo106.º, do CIRE (JusNet 22/2004), com remissão em 2.º
grau para o também citado artigo 102.º, estabelece um regime autónomo de
regulação das consequências da recusa de cumprimento da promessa de contrato sem
eficácia real, "maxime" quanto à indemnização, a tornar inaplicável o artigo
442.º do Código Civil.
4. Por isso entendo que não existe o direito de retenção previsto na alínea
f) do n.º 1 do artigo 755.º já que este pressupõe a indemnização/aplicação do
último preceito citado.
E ainda perante este quadro, e sob pena de violação do princípio "ubi lex non
distinguit..." não pode, como se pretende no aresto votado buscar-se a figura de
"comerciante-consumidor" a cujo apelo fazem o Acórdão do STJ de 22 de Fevereiro
de 2011 - 1548/06.9TBEPS-D.G1.S1 e o Dr. Pestana de Vasconcelos (Cadernos de
Direito Privado, n.º 33 e 41).
5. Razões por que fui vencido.
Sebastião Póvoas
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Votei vencido pelos fundamentos expressos na alínea b) da declaração de voto
da Consª Maria dos Prazeres Beleza e nas alíneas b) e c) da declaração de voto
do Consº Lopes do Rego, que subscrevo.
Lisboa, 13 de Março de 2014
(Nuno Cameira)
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Vencido quanto, e apenas quanto, ao segmento uniformizador do acórdão.
Recuperando o meu voto de vencido no acórdão (intercalar ) que reconheceu a
nulidade do original acórdão proferido nestes autos, anulando-o, direi que a
questão colocada perante este Supremo Tribunal não é a da dicotomia
consumidor/não consumidor como linha que separa a existência da inexistência do
direito de retenção ( até porque, reconhecidamente, esse problema se não colocou
nas instâncias - veja-se a nota 7 a fls.19 do acórdão onde se escreve « não
sofre dúvida que o promitente comprador é in casu um consumidor no sentido de
ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares
para seu uso próprio e não com escopo de revenda » ), mas antes a de saber se
sim ou não, em processo de insolvência, se mantém vivo o direito de retenção
configurado na al. f ) do nº1 do art.755º do CCivil, exactamente tal como essa
configuração existe e tendo por detrás, naturalmente, as considerações
constantes dos preâmbulos dos Decs.leis nºs236/80, de 10 de Julho e 379/86, de
11 de Novembro.
Mas exactamente porque a questão que nos é colocada era esta - a que se
descreveu - e não outra, não penso que se possa redigir o segmento uniformizador
do acórdão de um modo que não seja circunscrito a isso mesmo, deixando intacta a
formulação do direito de retenção constante do artigo. Assim, por exemplo: o
direito de retenção do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição
de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato
prometido, inscrito no art.755º, nº1, al. f ) do CCivil, permanece qua tale em
processo de insolvência.
Aos tribunais, caso a caso, competirá descobrir se se está ou não perante a
situação de facto socialmente atendível em que deve nascer um tal direito, o que
farão afinando o conceito de tradição até à afirmação de que sem consumo não há
tradição.
Assim se protegerá o consumidor (art.2º, nº1, da
Lei nº24/96, de 31 de Julho (JusNet 53/1996)) e só o
consumidor, cumprindo o desiderato dos diplomas legais referenciados.
(Pires da Rosa)
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VOTO DE VENCIDO
Anulado o acórdão proferido na revista nº 92/05.6TYVNG-M.P1.S1, por se ter
reconhecido que o segmento uniformizador contradizia a respectiva fundamentação,
houve que suprir tal nulidade, pondo termo à reconhecida contradição.
A maioria que fez vencimento decidiu manter a fundamentação do acórdão
anulado, alterando o segmento uniformizador, onde passou a constar:
"No âmbito da graduação de créditos em processo de insolvência, o
promitente-comprador consumidor, em contrato com eficácia meramente
obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, goza do direito de
retenção, nos termos estatuídos no artº 755º nº 1 al. f), do CC, como garantia
do pagamento do seu crédito, no caso do administrador da insolvência optar pelo
seu não cumprimento".
Quando da discussão e votação do acórdão anulado, foi decidido, por uma quase
unanimidade, que qualquer promitente-comprador, com tradição da coisa, goza do
direito de retenção para garantia do pagamento do seu crédito, nos termos do
disposto no artº 755º nº 1 al. f), do CC.
Por outro lado, o DL 379/86, ao alterar a disciplina do contrato-promessa,
designadamente os artºs. 410º, 412º, 413º, 421º, 442°, 755º n° 1 al f) e 830º,
todos do CC, não restringiu o direito de retenção ao promitente-comprador
consumidor.
Por último, não está sequer dado como provado nos autos que o recorrente seja
um promitente-comprador consumidor.
Por estas razões manteria o segmento uniformizador do acórdão anulado e
alteraria a respectiva fundamentação, conformando-a com a decisão de que o
direito de retenção assiste a todo o promitente-comprador, com tradição da
coisa.
Salreta Pereira
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido, tão só no tocante ao segmento uniformizador do acórdão que redigiria
nos termos propostos pelo Sr. Conselheiro Pires da Rosa, pelas razões constantes
da declaração de voto que subscreveu.
Lisboa, 13 de Março de 2014
as) Pereira da Silva
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Votei vencido quanto à inclusão da referência a "consumidor" no texto
uniformizador, entendendo que se devia manter a orientação seguida no Acórdão
Uniformizador entretanto declarado nulo.
Não vejo no texto da alínea f) do n.º1 do artigo 755.º do Código Civil o
mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso a que alude
o artigo 9.º, n.º2 do mesmo Diploma Legal, no sentido de distinguir os
"consumidores" dos "não consumidores".
Em qualquer caso, entendi que, dos factos provados não resulta que o
reclamante seja "consumidor".
João Bernardo
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Voto de vencido:
Entendo que o direito de retenção aqui reconhecido se deve estender, tal como
resulta da letra do disposto no art. 755º, nº 1, al. f) do Cód. Civil, ao credor
que se encontre na situação prevista nesta alínea, sem a restrição de ter de
revestir a qualidade jurídica de consumidor.
Esta qualidade jurídica de consumidor integra o bem jurídico que o legislador
visou proteger ao atribuir o direito de retenção em causa, alterando a redacção
primitiva do preceito do art. 755º, nº 1 referido.
Mas essa mesma qualidade não foi querida pelo legislador como elemento
constitutivo do direito de retenção em causa.
Assim e em conclusão, votaria o acórdão em apreço com a parte uniformizadora
que reconhecesse o direito de retenção em causa sem a restrição de o respectivo
titular ter de ser consumidor.
João Camilo
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Votei vencido, no essencial, nos termos do voto do Conselheiro Abrantes
Geraldes.
Dissocio-me, igualmente, da fundamentação do acórdão, nos termos da
declaração de voto do Conselheiro Alves Velho.
Lx, 13 de Março de 2014
(Paulo Sá)
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Votei vencida por duas razões:
1ª) Em primeiro lugar, porque teria corrigido a nulidade do acórdão de
fls...harmonizando a fundamentação com o segmento uniformizador que votei, e que
não incluía a restrição ao promitente-comprador que, simultaneamente, tivesse a
qualidade de consumidor.
2ª) Em segundo lugar, porque penso que essa restrição não tem tradução nos
preceitos legais relevantes para determinar se, nas condições verificadas no
caso presente (contrato-promessa sem eficácia real, declaração de insolvência do
promitente-vendedor, opção do administrador da insolvência pela não realização
do contrato definitivo), o promitente-comprador que obteve a tradição da coisa
goza ou não do direito de retenção, como garantia do crédito resultante do
incumprimento imputável à contraparte.
Conforme consta de declaração que juntei ao acórdão anulado, e pelas razões
indicadas no acórdão de 12 de Maio de 2011 (proc. nº 5151/06.TBAVR.C1.S1),
discordo da interpretação perfilhada para o nº 2 do artigo 106º do CIRE (JusNet 22/2004), porque
me parece que, se o contrato-promessa não tiver eficácia real, a circunstância
de ter havido tradição não afasta a possibilidade de recusa de cumprimento, por
parte do administrador da insolvência.
Essa possibilidade, no entanto, não implica a recusa de reconhecimento de uma
situação de incumprimento imputável ao insolvente e, consequentemente, do
direito de retenção, tendo em conta o conceito de imputabilidade perfilhado no
acórdão de 22 de Fevereiro de 2011, proc. nº 1548/06.9TBEPS-D.G1.S1, aliás
citado no ponto 2.2.4 do acórdão - equivalente a "ter dado causa", "ter
motivado" .
Saliento, ainda, que o reconhecimento do direito de retenção é independente
de saber qual o regime aplicável à determinação do montante do crédito assim
garantido (cfr. nº 2 do artigo 102º do CIRE
(JusNet 22/2004) e nº 2 do artigo 442º do Código Civil); e que a
delimitação subjectiva dos beneficiários do direito de retenção, no âmbito do
contrato-promessa, se deve fazer interpretando devidamente o conceito de
tradição da coisa que se prometeu vender, como se observa na declaração de voto
do Conselheiro Lopes do Rego, assim se cumprindo o objectivo com que a lei
estendeu o direito de retenção ao promitente-comprador.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
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Vencido, já que ao suprir a nulidade - que a maioria do Plenário entendeu
inquinar o acórdão anteriormente proferido - teria mantido inteiramente a
formulação que oportunamente votei para o segmento uniformizador e que não tenho
qualquer razão substancial para alterar, ou seja:
No âmbito da graduação de créditos em insolvência o promitente comprador em
contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio,
devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do
administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do
estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil.
Concordando, no essencial, com os argumentos expostos na fundamentação do
presente acórdão e que consideram aplicável, mesmo no âmbito da insolvência, a
garantia real outorgada ao promitente comprador que obteve a tradição da coisa
pela alínea f) do nº1 do art. 755º do CC ( embora se nos afigure que esta tutela
não é equiparável à do titular de um verdadeiro direito real de aquisição,
emergente da concessão de eficácia real à promessa de alienação), discordamos
que se institua como elemento constitutivo do direito de retenção, quando
circunstancialmente invocado em processo de insolvência, a qualidade de
consumidor do promitente comprador que obteve a tradição do imóvel.
É que, no nosso entendimento:
a) a questão a dirimir no presente recurso de uniformização de jurisprudência
consiste apenas em determinar se a garantia real outorgada ao promitente
comprador que obteve a tradição do imóvel pela alínea f) do nº1 do art. 755º do
CC ( independentemente do valor do crédito resultante do incumprimento, ou seja,
de este se calcular pelos critérios específicos consagrados no art. 442ºdo CC ou
antes pelos resultantes das normas do Código da Insolvência) é invocável no
âmbito do processo de insolvência.
Ora, afigura-se que o âmbito e os pressupostos do direito de retenção
atribuído ao promitente comprador que obteve a tradição da coisa devem ser
exactamente os mesmos, verifique-se ou não a situação de insolvência do
promitente vendedor - não fazendo sentido admitir que, independentemente da
qualidade de consumidor - não prevista como elemento da fattispecie daquela
norma do CC - , o promitente comprador goze de direito de retenção fora do
âmbito do processo falimentar - passando, porém, a exigir-se aquele requisito
adicional, restritivo do âmbito da referida garantia real, quando reclame o seu
crédito em procedimento de liquidação universal.
Na realidade, não encontramos qualquer apoio que permita considerar que os
pressupostos legais da garantia real/ direito de retenção possam ou devam ser
diferentes, consoante tal garantia real seja efectivada em acção comum ou no
âmbito de um processo de liquidação universal.
b) Isto não significa que se não tenha em consideração que a atribuição do
direito de retenção ao promitente comprador nos casos de tradição do imóvel
prometido vender - e o regime de prevalência desta garantia real sobre a
hipoteca, mesmo que anteriormente registada - não tenha subjacente uma essencial
intenção legislativa de protecção do consumidor (aliás claramente explicitada
pelo legislador no preâmbulo dos diplomas legais que, nesta sede, alteraram o
regime originário do CC): simplesmente, não pode confundir-se a identificação do
bem ou interesse jurídico tutelado por certa norma legal com o plano da previsão
dos elementos constitutivos do tipo ou fattispecie normativa em questão: e, no
caso em apreciação, afigura-se que o bem jurídico primacialmente prosseguido ( a
tutela do consumidor) não foi arvorado pelo legislador em elemento constitutivo
do direito de retenção previsto na alínea f) do nº1 do art. 755º do CC, pelo que
não terá tal qualidade de ser alegada e provada, como verdadeiro elemento
essencial da causa de pedir, pelo reclamante que pretenda efectivar esta
garantia real em processo de insolvência.
Saliente-se, aliás, que a orientação ora adoptada pelo Plenário, ao erigir a
qualidade de consumidor em verdadeiro elemento constitutivo essencial da
garantia real/direito de retenção, impondo, consequentemente, ao reclamante o
ónus de alegação e prova dos factos em que se consubstancia tal qualidade de
consumidor, vem criar uma situação delicada nos processos pendentes, em que o
reclamante não curou naturalmente de alegar, em termos processualmente
adequados, tal qualidade jurídica, cuja essencialidade não era razoavelmente
previsível - estando ultrapassado o momento processual próprio para completar ou
corrigir a petição insuficiente.
c) Na verdade, a ponderação e o relevo a atribuir à dita qualidade de
consumidor devem traduzir-se, a nosso ver, no plano de uma correcta
interpretação dos pressupostos tipificados na norma constante da alínea f) do
nº1 do art. 755º do CC, nomeadamente do sentido a atribuir ao conceito legal de
tradição do imóvel, de modo a proceder-se uma interpretação funcionalmente
adequada deste verdadeiro requisito ou elemento constitutivo do direito de
retenção - excluindo a existência de tradição do imóvel em todos os casos em que
se verifique que, afinal, o promitente comprador lhe não deu um uso real ,
permanente e efectivo, afectando-o a uma satisfação dos seus interesses e
necessidades cuja intensidade justifique a tutela reforçada da confiança na
estabilidade da sua posição jurídica que resulta da atribuição da garantia real
em questão.
Lopes do Rego
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